Dentre tantas iniciativas inspiradas e inspiradoras que o Papa Francisco tem tomado, temos esta, a criação do “Dia Mundial dos Pobres”. A primeira jornada foi em 2017. Já estamos na 6ª edição.
A questão da pobreza está no centro dos problemas da humanidade, desde o tempo de Jesus (penso até que desde que o mundo é mundo!) até os dias de hoje (nesta última eleição no Brasil eu diria que foi a questão central).
Começamos pelo Gênesis. Deus criou um mundo completo e exuberante, com todo o necessário para a humanidade viver com dignidade e feliz. Mas desde o início o casal original (Adão e Eva) quis ter mais do necessário (o fruto proibido, ser como Deus); a inveja e ganância manchou de sangue os dois primeiros irmãos (Abel e Caim). E se percorrermos toda a Bíblia, o Deus-Ganância (bezerro de ouro, Mamona-Dinheiro) vai disseminando mortes, miséria e destruição.
A raiz de todos os males está no desejo de ter mais que os outros (“Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro”, Mt 6,24).
E pior: na maioria das vezes a religião se tornou (e continua se tornando) uma forma de mascarar a ganância, escondendo o verdadeiro interesse dos religiosos: ter mais e viver mais confortavelmente, sem se importar com os que sofrem (veja a tal da Teologia da Prosperidade!) Já denunciava o profeta Amós: “Bebem vinho em taças e se ungem com o mais excelente óleo, mas não se afligem com a ruína de José” (Am 6,6).
É neste contexto que Jesus veio ao mundo e “armou sua tenda entre os pobres”. Veio desmascarar a falsa religião para revelar a verdadeira (destruir o templo do poder e indicar que o templo de Deus está no pobre: “tive fome e me destes de comer…”). Desmascarou o farisaísmo (sinônimo da falsidade), que vivia no tradicionalismo para esconder a insensibilidade pelos sofredores!
Como nos diz o lema desta 6ª. Jornada do “Dia Mundial dos Pobres”: “Jesus Cristo, sendo rico, se tornou pobre em favor de vocês, a fim de que, através de sua pobreza, ele enriqueça vocês” (2 Cor 8,9).
O problema que Jesus enfrentou não foi a falta de fé (que na maioria das vezes é fé em si mesmo ou no Deus-Dinheiro), mas falta de amor (na forma de compaixão aos necessitados): “Se alguém diz: ‘Eu amo a Deus’, e, no entanto, odeia seu irmão, a quem vê, esse tal é mentiroso; pois quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.” (1Jo 4,20).
O amor ao pobre e o comprometimento com sua causa é o sinal do autêntico amor a Deus, pois é um amor gratuito, não interesseiro. Ama-se ao pobre não porque ele é bonzinho, mas porque ele também é filho de Deus e, portanto, meu irmão. Este é o grande mistério que Jesus revelou e que até hoje a maioria dos que se dizem cristãos não compreenderam (Cl 1,27).
Ajudar os pobres não é fácil. Dar-lhes tempo e atenção, mais difícil ainda. Tratá-los como amigos e ver neles qualidades humanas, só pela fé autêntica em Jesus Cristo que se fez pobre! Como nos conclama o papa Francisco: “Somos chamados a descobrir Cristo neles (os pobres): não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles.” (Evangelii Gaudium, 198)
Jesus se despojou de todos os privilégios e mordomias, despojou-se de si próprio, despojou-se da própria vida, para nos dar o exemplo de como devemos viver e sermos felizes. Não uma felicidade individual, pois só seremos verdadeiramente felizes se todos, todos mesmos, tiverem condições de serem felizes. É a dinâmica da cruz!
Além de ajudarmos e sermos solidários com os pobres e sua causas, a carta do papa Francisco por ocasião da 6ª. Jornada nos direciona: “no caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através dum envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém. Às vezes, porém, pode sobrevir uma forma de relaxamento que leva a assumir comportamentos incoerentes, como no caso da indiferença em relação aos pobres.” Também “não se trata de ter um comportamento assistencialista com os pobres, como muitas vezes acontece; naturalmente é necessário empenhar-se para que a ninguém falte o necessário. Não é o ativismo que salva, mas a atenção sincera e generosa que me permite aproximar dum pobre como de um irmão que me estende a mão para que acorde do torpor em que caí. Por isso, ‘ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres, porque as suas opções de vida implicam prestar mais atenção a outras incumbências. Esta é uma desculpa frequente nos ambientes acadêmicos, empresariais ou profissionais, e até mesmo eclesiais. (…) Ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social’ (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 201). Urge encontrar estradas novas que possam ir além da configuração daquelas políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres e muito menos inserida num projeto que reúna os povo’ (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 169).” (Mensagem do Papa Francisco para o VI Dia Mundial dos Pobres, no. 8).
Que este “Dia dos Pobres” nos ajude a nos convertermos, tendo Jesus como modelo, que se fez pobre para entender a situação do pobre e fazer dos pobres seus amigos, incluindo todos os excluídos no banquete do Reino de Deus.
fr. Marcos Belei, o.p.